They’re actually mocking you

Há 75 anos, a Capital (dos Estados Unidos) colhe 24 adolescentes, entre 12 e 18 anos, como “tributos” aos Jogos Vorazes - onde eles irão se “eliminar” até que sobre apenas um vencedor. A arena é artificial, teleguiada e repleta de câmeras que promovem, ao público da capital - que tem ócio suficiente para ver TV o quanto quiserem -, o banho de sangue como entretenimento e, aos distritos, um lembrete da sua derrota num levante ocorrido contra a capital; tendo esta quase a mesma idade do reality show justamente por tê-lo motivado. Dois públicos, duas mensagens.


O público da capital é vazio e raso, tomando as suas identidades pela forma como combinam as cores das suas vestes e cabelos. Estes são abastecidos pelo trabalho dos distritos, que “oferecem” suas especiarias (o de Katniss, por exemplo, produz carvão) em troca de miséria [não foi pra causar efeito nenhum, essa frase; eu realmente não consigo pensar em outra coisa que eles recebam em troca]. Um ponto relevante sobre os distritos é que os mais próximos da capital possuem melhores condições de vida; e que essa proximidade reflete numa identificação com esta e até mesmo um certo orgulho do seu papel naquele sistema (a saber, produzir “heróis” para os Jogos).

Dois fatores que contribuem com a teia densa de fundamentos do antagonismo que Katniss precisará enfrentar são: 1) a ideologia por trás da opressão da capital de, não pintar o mundo com o mal e fazer as pessoas sofrerem por diversão, mas conter uma nova guerra [ressaltando que não estou defendendo a capital, mas discutindo a composição da obra]; 2) eles possuem aliados entre os próprios oprimidos: tanto os habitantes da capital - que acreditam que, por ter comida e entretenimento (ambos voltados ao consumo), são bem tratados e sortudos por terem um governo tão generoso -, quanto os membros dos distritos mais ricos - que ao invés de questionarem aquele sistema, correm atrás dos valores, e ainda se sentem vitoriosos em terem o seu escárnio travestido de metas de vida compartilhados na mídia.

É nesse contexto que se inclui uma protagonista marcada por atos rebeldes involuntários - que vão de mudar o resultado do sorteio dos participantes a vencer sem matar ninguém, a despeito da proposta do torneio. Katniss acaba se tornando um simbolo da revolução, pra uns, e um produto cultural, pra outros. A personagem, que tinha boas habilidades com o arco [acho mais legal que espada], entra no lugar da irmã, que não tinha possibilidade nenhuma de vencer naquele ambiente. Do outro lado, há o admirador secreto desta, o padeiro Peeta; peça chave na reviravolta da trama (a nível de trilogia).


Quando Peeta percebe que são permitidos “patrocínios” [e que eles são muito pobres pra receber algum], começa a se esforçar em conquistar o público público. E o que mais iria agradar uma sociedade de plástico, rasa e alienada do que um romance adolescente?

Enquanto Katniss tá transbordando de insegurança e revolta cruas - desconfiando de tudo e de todos e preocupada apenas com a sua segurança e vitória -, Peeta vai fazendo o seu marketing e manipulando o resultado do torneio; se a gente, como leitor/expectador [whatever-deen], já sabe que eles dois vão sobreviver até o fim, pelo menos a autora se preocupa em representar a influencia da vontade do público no resultado da obra. E isso que começa a tornar Jogos Vorazes cada vez mais interessante: como que, de uma perspectiva baseada na metalinguagem, as narrativas (livro e filme) propõem uma autoconsciência ao leitor enquanto público não da obra, mas dos próprios jogos. Esses que Peeta saca, logo de cara; antes mesmo de entrar no torneio. Esses que a indústria cinematográfica já domina tão bem. E todos nós estamos tão dispostos a jogar.

Caso queira compartilhar..:

0 comentários