Mais subjetividade nos objetivos

O problema de qualquer ferramenta é que não dá pra depositar nela a responsabilidade na conclusão de algum projeto; por melhor que ela seja, não deixa de ser uma mera ferramenta. Inclusive, você pode se machucar com ela.
Então, tem esse site chamado List Challenges cuja proposta é, basicamente, permitir que os inscritos criem listas de filmes, livros, comidas, viagens, etc. sendo que estas servirão de metas para eles próprios e outros inscritos. O acervo do site é bem conectado, então, se você marcar que já viu um filme numa das listas, todas as outras que o tiverem serão atualizadas e você pode ir marcando seus favoritos, ou mesmo o seu interesse em conferir aquela obra mais tarde.

Mas o ponto central desse site é que, como ele “troca suas experiências de vida por pontos” [tradução minha do texto informado pelo próprio site] ele acaba se tornando uma ferramenta poderosa em uma das atividades humanas mais importantes; ele transforma nossos interesses em metas. E até nos dá notas por isso, não é ótimo?


Onde mora o problema: bom, te dando nota no que você deveria fazer pela experiência, o site naturalmente desvaloriza o processo [até porque esta responsabilidade é sua]. Com isso, é um pouco tentador relegar a experiência da leitura ou do que quer que esteja nessas listas à vaga sensação de vitória proporcionada por um score. Um objetivo é super positivo quando ele te torna mais compromissado com os seus interesses, mas você não pode perdê-los de vista, em prol de uma linha de chegada imaginária esvaziada de qualquer significado.

Vou exemplificar melhor. Na primeira lista que me chamou atenção, encontrei alguns dos “Livros Cuja Leitura Leitura É Indispensável”, termo que pego emprestado do Ítalo Calvino para falar de 1984, Jane Eyre, O Senhor dos Anéis, Admirável Mundo Novo, Anna Karenina, entre tantos outros que deram uma lista de 100 itens, em pouco mais de meia hora de uso. O que posso tirar de positivo nisso foi perceber que também tinham alguns livros do quais eu já havia lido, e como isso me renovou o ânimo em progredir agora que tenho isso como objetivo; e até mesmo retomar e concluir algumas leituras, como Madame Bovary, e O Som e a Fúria (livro mais desafiador com o qual joguei, até hoje). Mas o que aconteceria se, por um mero deslize, eu esquecesse os livros e focasse no cumprimento da lista?

Assim como no já citado caso das notas, isso é muito comum em interesses que aparentemente são nossos, como uma meta de leitura, ou uma maratona de filmes indicados ao Oscar, por exemplo. De repente, o foco se volta para a quantidade de obras que eu conseguir acompanhar; e não para o que elas podem me trazer de bom/ruim/produtivo. Assim como existem muitas pessoas felizes da vida com a sua grande lista de séries assistidas, como se aquilo fosse parte da sua própria identidade [e, de fato, acaba sendo], muitas pessoas resolvem que vão ler esses 100 itens da minha lista em um ano. Isso significa que a pessoa terá de ler 2 livros por semana, e eu não imagino uma pessoa lendo O Som e a Fúria numa média de 3 dias. Geralmente, essas pessoas resolvem esse problema dos livros complexos colocando vários livros rasos na meta, pra compensar o tempo gasto neles com quantidade - isso quando não os leem de forma superficial. Daí, ao fim, desses 100 livros, imagino que tudo o que sobra é um vazio do tamanho do universo. Joga-se uma experiência inteira fora, em nome de um objetivo que muitas vezes nem é seu - caso o fora, se transformou em um invólucro vazio, algo sem o menor sentido.


Eu pretendo encerrar este texto examinando a palavra "Sentido" em relação a uma lista que me chamou atenção: 50 Livros para se ler antes de morrer. Aí eu já não sei se ficou claro, mas a alusão à morte - como o grande sentido que nos move, enquanto seres vivos - me lembra que vai ser uma pena não reparar nas árvores ao longo dessa grande viagem. Se estamos falando de viagem, experiência, emprego “sentido” no sentido de “direção” e pergunto:
Para onde estamos indo com isso?

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