Unilateralidade

Alerta: o texto a seguir é de cunho motivacional e abarca várias ideias em torno do tema principal - a franquia Tekken -, sem aprofundar, de fato, em nenhuma.
First things first, não é só um joguinho de luta - ou um jogo de lutinha [joguinho de lutinha é muita forçação de barra, também]: nesse caso, a ênfase fica a cargo do que o contra-argumentador procura diminuir (se é um não-jogador menosprezando os jogos ou um jogador menosprezando o gênero de luta).

De um lado, ainda existe o estigma do jogo como diversão fútil ou hábito reprovável, sendo que já existem muitas pesquisas em diversas áreas que tratam como não só do jogo como forma de educação lúdica, que inclusive contribui para a superação de N obstáculos - que vão do TDAH até à Depressão, para citar alguns exemplos -, como também do conteúdo rico que os jogos podem apresentar [já sentaram pra conversar sobre mitologia grega com um jogador de God of War?].

Do outro lado, existe a depreciação do gênero específico de luta que possivelmente se deve ao molde dos seus padrões por estes outros gêneros. Nesse caso, é bom ter em mente que os diferentes gêneros oferecem níveis e formas diferentes de diversão e de recompensar o jogador. Certas justificativas pormenorizadas de como o MMORPG pode vir a contribuir com a sistematização pessoal do jogador mais do que o jogo de luta, por trabalhar com objetivos de longo prazo, são até válidas, só é preciso ter cuidado para não pensar isso de uma forma de inferiorização total do segundo gênero.
Um lembrete: o hábito de verticalizar gosto não parece saudável pra ninguém. 
Dito isso, entendamos que priorizar a troca de experiências e, principalmente, se entender como um entre outros [horizontalmente] é muito mais funcional do que usar o desprezo por algo como justificativa para permanecer sem conhecê-lo. Dito de outro modo, é muito mais produtivo ter a abertura para escutar o fã de cada gênero, cada mídia, de cada qualquer coisa, do que chegar impondo opinião - principalmente se for antes levar em conta o embasamento dessa sua opinião.


Iniciantes têm, sim, grandes chances contra intermediários: como os programadores se esforçaram muito para criar um jogo acessível, não são raros os momentos nos quais uma pessoa que nunca pegou num joystick na vida desce o braço e vence alguém que já tem uma certa prática. Isso pros ~jogo-de-lutinha~ é mais má publicidade porque, quando o iniciante é um deles, algumas vezes, fica a impressão de que o jogo é bagunça e apertar qualquer botão é procedimento único - quando o caso é apenas eles serem maus jogadores. Mas é aí que os Jogadores Avançados entram em cena; são eles que conhecem bem a mecânica do jogo e sabem dar o show do qual o jogo é capaz.


As lutas dos Avançados são um espetáculo: eles conhecem muito bem os golpes - e, nesse quesito, o jogo dá muito suporte, com personagens que chegam a mais de 100 combinações; possivelmente, dominam vários personagens; têm boa defesa e desviam bem; sabem fazer uso do cenário, ou seja, desenvolvem boas estratégias de batalha; quando se temem mutuamente, geram cenas tensas, onde os personagens passam segundos só se encarando e aguardando oportunidades [são cenas lindas mesmo]; conseguem fazer, conscientemente, reviravoltas absurdas e inacreditáveis mesmo - e repetir o feito em outras partidas. Somando tudo isso, não seria exagero dizer que as partidas se tornam extremamente imprevisíveis.


Lado importa - e muito: a despeito do título do texto - que eu usei justamente como antítese - não é de unilateralidade que se fazem jogos de luta. E isso confere a eles uma carga dramática fantástica. A interpretação imediata que podemos fazer é que estar do lado direito ou esquerdo inverte a sua leitura do cenário e a direção dos golpes [e dos botões direcionais, lógico]. Mas pensem o seguinte: poucos gêneros nos permitem experienciar a alteridade como o jogo de combate; os jogos, no geral, te oferecem apenas a perspectiva do herói ou, quando no máximo, um anti-herói feito Kratos - mas todas as más atitudes dele são moralmente amenizadas ou até justificadas. Sendo, em um jogo, imersão uma coisa muito importante, existe um significado forte em você se colocar no lugar de oponente. Simplificando, num jogo de luta, você não é o herói, é um oponente tanto quanto o seu oponente. E isso relativiza a sua perspectiva de oposição.


Eu, por exemplo, sempre evitei de jogar com Bryan por uma cena de vitória dele [não achei em gif, então vai outro semelhante] que eu considerava chocante e exagerada: ele sentava no oponente derrotado e batia muito no rosto dele, rindo - isso contra um personagem que eu gostasse muito, ou qualquer personagem feminina, era algo que eu simplesmente não aguentava ver. A depender do seu grau de sensibilidade, é difícil ver seu personagem - quem te representa dentro daquele mundo - sofrer algumas agressões extremas.


Personagens femininas brigam muito: não sei se vocês sabem, mas o jogo de luta parece ter sido o primeiro a apresentar uma mulher jogável - precisamente, Chun Li, em Street Fighter II. Ainda na questão da alteridade, você pode perguntar a qualquer menina o que significa para ela ter uma mulher dentro do jogo a representando e provavelmente ela te sinalizará o quão importante é se sentir representada; significa a diferença entre ser sujeito ou o predicado de outra pessoa - que é o caso dos NPCs, dentro de um jogo. Já pararam para pensar nisso?

Por outro lado, existe também o jogador homem controlando uma personagem feminina - sendo um deles, você ouve muitas ofensas pesadas ao ser feminino no geral. Porém, isso também dá margem para pensar até que ponto a socialização das crianças é pensada de modo a podar as suas escolhas, ditando isso como coisa de homem e aquilo como coisa de mulher, e, por conseguinte, gerando um menor número de lutadoras, na vida real, e o seu uso como item decorativo, nos jogos eletrônicos.

O que a gente aprende com tudo isso é que tanto, na realidade, é de suma importância combater essa misoginia institucionalizada, quanto, em se tratando de ficção, uma franzina de 16 anos tem total capacidade de descer o braço num homem maior e mais mais velho. E isso, a despeito de algumas problematizações de critério seletivo, pode estar bem mais próximo da realidade do que um apocalipse zumbi ou uma série de dragão, por exemplo.


Há espaço pra comprometimento em qualquer lugar: ao contrário das outras mídias audiovisuais, o jogo funciona como um motor, sendo eventuais marasmos muito menos defeito do jogo do que inabilidade do jogador. Nesse caso, se manter alienado a maus desempenhos pra julgar o jogo é simplesmente se manter ignorante por opção e cultuar essa ignorância. Ninguém é obrigado a conhecer nada, a menos que queira emitir uma opinião com propriedade. E é nisso que precisamos voltar às lutas dos avançados, por elas estimularem muito a gente a melhorar - e isso é valido em qualquer outra coisa: coisas bem feitas, geralmente, nos estimulam.



Antes de pôr as minhas mãos no Tekken 6, eu assistia muito aos vídeos do jogo. Esse em questão [só é preciso assistir à primeira luta - os primeiros 3:43 min] foi o responsável pelo meu maior vínculo com o jogo atualmente: Lili. Ela é uma personagem super versátil: tem muitos golpes rápidos que não se apoiam muito em membros superiores ou inferiores [geralmente o jogador se prende muito a chutes ou socos e desequilibra entre os dois]; tem contra-golpes igualmente rápidos [exemplo: se ela se abaixa, já dá pra levantar sentando a mão na cara, após ter desviado, ou seja, pegando o oponente com a guarda baixa; ou ela pode, como um grupo seleto de personagens, simular baixar a guarda e agarrar o oponente, durante o golpe dele]; tem combos muito fáceis, daqueles que não deixam o oponente cair; fora que ela tem uma personalidade arrogante, badass, que combina referências mais clássicas, como o ballet, com elementos mais urbanos, como a luta de rua.

Enfim, ela é ótima e hoje eu vejo que esse vídeo nem faz jus à capacidade dela: o jogador [ou a jogadora] se defende muito mal, usa golpes de longa distância perto demais, se repete muito; uma infinidade de vacilos que eu creio que hoje, 7 anos depois, revendo esse vídeo, ele mesmo deve estar criticando - isso serve de exemplo de que expertise serve inclusive pra você criticar as suas referências.


Sometimes, fazer algo é um pouco mais importante do que refletir sobre: eu acho que é indiscutível que teoria e prática andam juntas - quem não concorda com isso precisa acordar pra vida -, mas mesmo sabendo disso, as vezes a gente prefere, involuntariamente se ater a inércia [obrigado, Evans ;)], sabendo o que a gente tá fazendo de errado. Isso leva a uma discussão super pertinente que eu vou precisar resumir: às vezes, a despeito do tal marasmo eventual ou persistente, se prefere prosseguir fazendo as mesmas coisas por comodismo - deixar o familiar se sobrepor ao desconhecido por N motivos -, sem, é claro, deixar de reclamar. O senso crítico as vezes é ótimo, mas não condiz com as atitudes e isso trava muita gente - muita gente mesmo. Pra dar um exemplo imediato e sem fugir do assunto, muitos jogadores se acomodam a meia dúzia de golpes de um único personagem, quando este lhe garante vitórias, tornando as partidas monótonas, abusando do jogo e [ou “porém”] se mantendo naquele quadro maçante por horas - aliás, muito mais tempo: uma vida inteira.


A situação é minimamente agradável, mas soa melhor do que tentar algo e dar errado. Quando questionado, o interior trabalha de forma milagrosa pra justificar a permanência naquela situação: de repente, o quadro passa de “chato” para “ótimo”; ou a arrogância entra na jogada, levando o sujeito a fazer mal as coisas com uma ironia simulada, pra não admitir que, a curto prazo, o seu esforço não trará uma vitória imediata e, claro, dar a si próprio a ilusão de escolha; em casos de vitória, a situação é um pouco mais complicada, pois a vitória disfarça imperfeições que uma derrota ajudaria a expôr e, francamente, o jogo dura mais do que os 3 segundos do “You Win”, então basear toda uma experiencia de jogo em momentos de vitória é uma perspectiva um tanto pobre ante a satisfação plena que uma mudança de perspectiva pode gerar. Diante disso, vou precisar citar essa frase da Mary Shelley:
Nothing is so painful to the human mind as a great and sudden change.
Nada é tão doloroso à mente humana quanto uma grande e súbita mudança.

Às vezes, é preciso que a vida te passe uma rasteira pra sinalizar que tem algo errado, inclusive pra que você aprenda a se abaixar e defender da próxima. Acontece que, naturalmente, teu cérebro começa a criar escudos pra se prevenir: algumas pessoas se fecham para as críticas, não param pra escutar; outras decidem agir de forma agressiva; ou, em alguns casos, como já descrito, algumas pessoas se forçam a enxergar pontos positivos nessas situações, da mesma forma que o pessoal que sofre da Síndrome de Estocolmo simpatiza e até defende o sequestrador, na tentativa de amenizar o próprio quadro. Apática e acomodada, muita gente desiste do jogo por causa disso.


São vários os fatores que te lev[ar]am à derrota: foi, na verdade, dessa seção que surgiu o título do texto. Geralmente, a gente tende a encarar as coisas de uma forma muito simplista; faz de um emaranhado de causas que compõem os desdobramentos das situações uma questão de ismos - ideologias que se embasam numa causa só como culpada da história [culpa já denota moralismo, por exemplo]. Disso surgem comentários como “foi por isso que…”, “você pensa dessa forma porque…”, ou “é porque você joga há mais tempo que eu” - fica tudo numa questão de melhor ou pior, de um único fundamento; unilateral

O problema com essas justificativas não é estarem erradas, mas atribuir a elas a única causa de uma derrota. No jogo, existem uma porção de golpes disponíveis, defesa, timing, ansiedade, tranquilidade demasiada, desatenção, estado de espírito, altos vacilos e sorte, também, e todos esses elementos desempenham uma responsabilidade em tudo o que está acontecendo. Isso implica perceber que você pode, sim, ser o principal responsável pela sua derrota, mas não para apelar para uma ironia imparcial de que não venceu porque não quis.


O jogo não acabou até que se esgote o HP [life, pros que sacarem o trocadilho] de um dos dois ou o tempo: como na discussão dos lados, a leitura imediata a ser feita é que se mantenha o foco até que se tenha, de fato, perdido a batalha - isso não é algo que dê pra ser concluído antes do tempo final e é até responsável por grandes reviravoltas nos últimos momentos. 

Diante de tanta porrada que o oponente te dá, é possível virar o jogo lindamente e dar um rumo totalmente imprevisto à "partida". Há sempre espaço e recursos para uma reviravolta - e isso abre espaço para o comprometimento, entre outras incidências. Vou deixar vocês com mais uma das reflexões com selo Shelley de qualidade - Percy, dessa vez, e de novo em inglês:
It is the same!—For, be it joy or sorrow,
    The path of its departure still is free;
Man’s yesterday may ne'er be like his morrow;
    Nought may endure but Mutability. 
Ano novo tá aí pra isso também. Aproveitem a chance e aprendam inglês ou traduzam o poema por conta própria. Não sou obrigado.

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