Fight like a Final Girl!

Tem um cara sentado diante de uma criança. Ela acabara de perder os pais e ele, cuja esposa e filha tiveram o mesmo destino, parece estar tentando recrutá-la para realizar uma tarefa, se oferecendo a prepará-la ele mesmo.


Uma forma digna de encarar o filme Final Girl pode ser embasando o trabalho que essa menina está levando a cabo em outras histórias de fundo. Existe uma regrinha social de que uma mulher sozinha em companhia de vários homens “está pedindo” pra que aconteça algo de grave com ela. Muito recentemente, a hashtag #meuamigosecreto, que se iniciou relatando atitudes machistas cotidianas, acabou servindo como um espaço onde muitas mulheres compartilharam suas próprias histórias de terror, onde elas foram assediadas, ameaçadas, seriamente agredidas, onde algumas inclusive escaparam de estupros, ou não conseguiram. É desse tipo de preocupação distorcida que surgem contos medievais “preventivos” para assustar crianças, como, por exemplo, Chapeuzinho Vermelho.

Após ser treinada até se tornar uma arma completa, Veronica é deixada sozinha, pelo seu tutor, William, para lidar com um grupo de jovens que, sem razão aparecente, levam meninas a um bosque para então caçá-las [mesmo, eles permitem que elas fujam para poder perseguí-las]. Tudo isso é usado como pano de fundo, subtendido entre os diálogos e mostrado apenas na presente situação de Verônica. A referência ao conto citado no parágrafo anterior fica a cargo do vestido vermelho usado pela menina, além da visita ao bosque, quando os trajes indicam a ida para algum lugar, digamos, sociável. O vestido vermelho [e o batom, também] pode ser entendido como uma afronta às donzelas em perigo, cujos trajes brancos lhe dão um caráter mais indefeso e virginal. Há também o sentido de autoproteção contra o medo e a ansiedade [sugiro que procurem alguma coisa sobre a psicologia das cores, também], além da óbvia referência ao sangue e intensa tensão emocional.


É na chegada ao bosque que o clima do filme começa a ficar tenso. Eles começam com a brincadeira adolescente mais óbvia do universo (truth or dare), principalmente em se tratando de terror. O filme trabalha, gradativamente, o desconforto aparente de Verônica, com a trilha sonora muito baixa [quase não dá pra ouvir]; o foco auditivo é mais voltado ao som [ou à falta dele] do bosque, dando a impressão de isolamento. Os desafios são um absurdo à parte, indo de “seja amarrado” a “morra” - e caso você tire o mesmo duas vezes, precisa aceitá-lo. É nesse último desafio que começa a caça. A questão é que Verônica adulterou as bebidas que os rapazes consumiam - o mesmo que eles, provavelmente, já fizeram com um sem-número de meninas -, e, nesse momento, ela começa a inverter a caça. As drogas produzem um efeito interessante: nenhum deles se enxerga sendo assassinado por uma menina; todos eles se vêem encurralados por um grupo de homens, ilusão que só é dissipada na hora da morte.

A conclusão que eu pude tirar, ao fim do filme, é que ele pode ser visto como uma história de empoderamento individual. Basta pensarmos que há um homem que, mesmo tendo perdido esposa e filha, dá a uma mulher a chance de encerrar com aquela história, diferente de muitos filmes - incluindo os de terror -, onde as mulheres geralmente são salvas; a exemplo de “O Massacre da Serra Elétrica” e “Haloween”. Não é preciso encarar isso como uma novidade, já que dentro do próprio terror temos bons exemplos de mulheres se defendendo sozinhas nesse ambiente hostil: “A Hora do Pesadelo” e “Pânico”, por exemplo. Só que esse filme em específico dialoga com uma bronca pessoal feminina: o medo do estupro. É interessante ver na cena do bosque como ela muda de “indefesa”, “desconfortável” e “assustada” para assumir uma postura mais assertiva e decidida.

De certo, não é um plot inédito, mas não deixa de ser válido ver o filme pelo “como acontece”, de qualquer forma.

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