Fazendo as pazes com os finais felizes (?!)

Primeiramente, vocês viram o final de Scream Queens? Segundo, vocês se importam com Spoiler? Durante metade do texto, não vou citar diretamente o nome do Assassino, mas vou falar sobre ele, então vocês podem acabar descobrindo por associação. Depois do gif do Nick Jonas, o spoiler é livre, melhor não rolar a página até o fim pra conferir o tamanho do texto.

No post eu tinha falado sobre como alguns filmes de terror resolvem regredir e apostar no óbvio pra subverter a surpresa final. Scream Queens, durante toda a temporada, buscou fugir do óbvio, revelando 2 dos assassinos logo na primeira metade da temporada. Pra mim, isso foi uma estratégia ousada. No meio de uma trama tão carregada de elementos centrais e periféricos (diferente de MTV Scream que arrastou bastante, a série da FOX trazia informações novas, mortes e reviravoltas em todos os episódios - os caras chegaram a fazer um maravilhoso episódio 10 que mostrou que eles deram conta de incriminar praticamente todos os personagens), foi grande a minha expectativa por um enorme final twist.

Descartando uma possibilidade óbvia até no sobrenome - que era inclusive a aposta da própria Emma Roberts -, eu imaginei alguém desmentido a história dos bebês gêmeos - a reitora, sendo a assassina, forjara o retrato e a história toda; imaginei a Chanel #4 reaparecendo e sendo a assassina; imaginei os bebês sendo ambos homens (desmentindo a história, novamente) e o segundo ser o Pete e o episódio 11 me deu uma enorme esperança de que eu tinha razão. Mas aí a série engata a marcha ré e aposta no óbvio [haha], usa a primeira possibilidade que descartamos, justamente por ser tão óbvia, e acaba entregando uma surpresa um tanto frustrante. As série do Ryan Murphy já têm dessas coisas.


Sei lá, imagino que ele tenha criado aquelas situações em que o último Red Devil se comportava de forma excessivamente estranha justamente pra brincar com esse “tava na cara”. Porém, muita gente também achou isso um tiro pela culatra. Seria muito mais válido deixar a revelação de Pete pra depois, porque aquele cena aumentou ainda mais as nossas expectativas por um unmasking grandioso. Mas, enfim, aceitando que o final foi esse, vamos analisá-lo.

Quando eu assisti Scre4m, curiosamente, desejei um fim semelhante a esse, onde o assassino tinha como motivação destronar o protagonista - e também eu já achava que Sidney deu o que tinha que dar. Eu até queria que “o assassino” se desse bem e prosseguisse a franquia posando de vítima. Exatamente o que Scream Queens nos apresentou. O que mudou aqui foi o contexto. O assassino queria fazer justiça, não só contra a protagonista, mas contra todo o sistema que ela representava e ajudava a manter em voga. Como foi dito, as irmandades haviam destruído a vida de cerca de 100 pessoas a mais do que o Red Devil e alguém precisava pagar. Não vou discutir noções de justiça e vingança - isso fica pra outra postagem - mas ao mesmo tempo que a gente pensa que isso torna pessoas legais em assassinos, como Grace ressaltou, jogar limpo não iria levar a vitória. E é aí que a gente precisa desamarrar a cara para aquele final.


Da mesma forma que os Screams, Hester trouxe uma reflexão um pouco mais profunda a respeito dos justiceiros: eles não são os responsáveis por tudo. Eles sempre têm a ajuda [voluntária ou não] de detetives preguiçosos, pessoas influentes a fim de abafar o caso e evitar má publicidade, gente com interesses semelhantes - seja justiça, vingança ou vontade se se livrar de alguém -, e todos esses elementos fogem do nosso senso do que é certo ou errado porque nos mostram que todo mundo tem um pouco de culpa nas mais variadas coisas que consideramos ruins, mas preferimos depositá-la nas Chanels que encontramos.
“Você torna difícil acreditar que não é o assassino” - Grace Gardner.
 O dia foi salvo, a Kappa mudou o clima de ambição e negatividade, a universidade voltou a ser uma das mais seguras e eles até criaram uma ONG pra ajudar às mulheres que passaram pela mesma situação que a moça da banheira - abandonada em trabalho de parto, pra quem não assistiu nem leu minha outra análise. Mas, em compensação, inocentes foram punidos, seja pelos assassinatos que ocorreram durante toda a temporada - que fizeram vítimas algumas das pessoas cujo propósito do Red Devil era defender -, seja pelas pessoas que foram culpadas no seu lugar - não vamos nos esquecer de Feather indo pra camisa de força, no episódio 7. Por essas e outras, dá pra concluir que o desfecho não foi assim tão feliz.

A partir de agora, vou precisar citar nomes e acontecimentos.


Óbvia como pode ter sido a surpresa, a trajetória de Hester Ulrich não pode ser desmerecida por isso. Revendo os inícios dos episódios 1 e 13, fica claro que ela usurpou o lugar de Chanel - não como presidente, mas como sujeito principal da série -, quando, com ares de Jill Roberts [sim, elas são parecidas], ela remonta tudo o que ela precisou fazer pra dar cabo ao seu plano de vingança - e o que ela precisou sustentar pra ninguém desconfiar dela -, da mesma forma que Chanel narra o início da série. Percebem o movimento da trama? Você precisa admitir que ela foi uma assassina foda.

Outra coisa interessante que precisa ser ressaltada, já entramos na tal da metalinguagem, foi como a própria série tratou o fato de termos desconfiado pouco dela justamente por ela ser tão estranha e suspeita:
“Quanto mais estranho você é, menos querem saber sobre você” - Hester Ulrich.
E o mais engraçado foi que Gigi e ela até eram parecidas [eu sei que elas não são mãe e filha biológicas, mas creio que isso era mais uma dica].


Uma das coisas controvérsias, pra mim, sobre a série como um todo é que a autoconsciência dos personagens tornam algumas críticas bem didáticas. Quero dizer, isso é positivo em alguns momentos, pois como o enredo brinca com o limiar entre apologia e crítica, as vezes, é preciso se explicar um pouco, para o público sacar de qual lado das ideias ele está, mas o público também precisa ser permitido tirar algumas conclusões por si próprio - até pra que haja uma diversidade maior de interpretações. Pois bem, o desfecho das Chanels e Grace/Zayday foi bem didático, até certo ponto.

Para instaurar um equilíbrio na Kappa Kappa Tau, Chanel precisava ser destronada de lá e a dupla formada pela sonsa da Grace seriam boas novas presidentes - vamos admitir. Chanel, por sua vez e finalmente, reconheceu que esse desequilíbrio causado na casa era de ordem mental mesmo - com todas as letras: Ela é uma desequilibrada [carismática, demagoga e divertidíssima - mais legal que Grace -, mas uma desequilibrada]. Constatado isso, ela vai pro espaço fisicamente representava o que a Kappa era há muito tempo: um hospício. Como mencionei, no início do texto, Ryan Murphy curte fazer uns finais de novela nas séries dele (tomando 4 temporadas de American Horror Story como referência - ainda não assisti Glee). Ele tenta resolver todos os problemas da série, no último episódio, da maneira [que se crê que o público considere a] mais satisfatória possível: o povo-de-coração-bão se dá bem e os “malvados” pagam. E, mesmo assim, conseguiu empregar algumas críticas ao status quo dos finais felizes.

É legal quando se inverte essa lógica do que é bom e o que é ruim. A reflexão que esse final nos trouxe é que muitas características que são consideradas negativas, quando associadas a um vilão, passam despercebidas quando reproduzidas por personagens que nos são vendidos como bonzinhos. Já temos os casos das prisões, assassinatos e incriminações de inocentes, mas as duas imagens finais que o último episódio apresenta ilustram bem o que estou falando:

Uma das coisas que eu achei curioso sobre o lado que Hester ficou é que, ao passo em que eles pregam ideais de auto-aceitação e respeito à diversidade, pra voltar a ser considerada normal, lá está ela com os cabelos alisados e visual completamente diferente do que a rotulava como louca - exatamente a mesma coisa que Chanel fez com ela para torná-la uma minion.

Enquanto isso, o que não precisa ser muito explicado - porque a própria Chanel fez isso - é que o manicômio acabou sendo o lugar mais sadio para onde ela poderia ir [um manicômio idealizado e sem os maus tratos que Asylum retratou, vale ressaltar]. Esse lado da história ficou mais claro porque Chanel sempre foi a mais sincera [um reflexo difícil de lidar, como já abordei no outro post]. Lá ela finalmente se livrou do paradigma da vida como um sistema de classes, do clima de ambição e negatividade, das roupas caras, do julgamento das pessoas [a exemplo da Chanel #3 finalmente começando a curtir a vida lésbica] - enfim, desse clichê todo que a gente já entende que faz mal às pessoas -, fez as pazes com a coitada da Chanel #5 e, como a demagoga nata que ela é, já tratou de ser a rainha desse novo espaço. Algumas coisas realmente não mudam.

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