A derrota e a vitória de cada um

Eu sempre achei esses segundos capítulo/episódio um tanto avulsos. Não que eles não tenham importância no enredo, mas é que não tem no capítulo seguinte algo que puxe desse, sabe? Acho que ele simplesmente existe para cumprir duas funções: contrapesar o capítulo primeiro e enriquecer a construção do personagem principal.


Talvez seja seguro afirmar que o ponto forte de Naruto (série) são as suas contradições e dualidades. Vejamos o primeiro capítulo: Nele tivemos 3 personagens em destaque, mas eles se relacionaram majoritariamente em duo. Naruto e Iruka contrastaram as regras e a subversão das mesmas; já Mizuki trouxe para a dupla a subversão das regras na aplicação das mesmas, ou melhor, das suas brechas [para quem não entendeu, eu tô falando de manipulação e corrupção]; já os dois professores, entre si, contrastaram os interesses das autoridades: aqueles que utilizam do poder neles investido para ajudar os iniciantes e aqueles que utilizam o mesmo unicamente para defender seus próprios interesses. Em um plano maior - capítulo 1 vs. capítulo 2 -, o contraste passa a ser Naruto como aprendiz e Naruto como mestre.

A apresentação dos dois personagens atesta contra eles e favorece o seu contrário - a opinião pública. Tanto Naruto, quanto Konohamaru, iniciam o capítulo como baixos, infantis e indignos de qualquer respeito, o que é contraditório, visto que ambos, cada um no seu próprio capítulo, lutam por respeito e reconhecimento a todo custo. Mas, aparentemente, tudo o que eles fazem traz o efeito oposto.

A dualidade contida apenas nesse capítulo reside no peso do reconhecimento nas costas de cada um. Um é subestimado e o outro superprotegido, mas ambos fazem questão de mudar esse quadro, vide o esforço de Naruto em aparecer a qualquer custo em contraste com o esforço de Konohamaru em não ser visto. Entre eles - é comum que fique alguém no meio, formando uma tríade - está o terceiro Hokage. E ver Naruto o questionando e, portanto, desrespeitando a hierarquia que torna o ninja extraordinário para Konohamaru. Mas Naruto vai além, ao ser insultado por Konohamaru, ele o agride sem pensar duas vezes, ignorando, inclusive, o aviso de Ebisu de que ele era o neto do Hokage - informação que sempre é suficiente para converter qualquer atenção em bajulação. Eis um encontro inusitado: alguém que sempre foi exaltado, de repente, é subjugado por alguém que sempre foi depreciado. E vice-versa.

Como as regras sempre dão um jeito de reaparecer, lá está Ebisu - o tutor de Konohamaru. Ebisu se acha o máximo pelas suas titulações e, com isso, acredita ser o melhor mestre possível para o neto do Hokage. Diante daquela situação, ele passa a tentar proteger Konohamaru de Naruto a todo custo. Sem sucesso, ressaltamos.

Konohamaru persegue Naruto e o intima a ser o seu mestre. Naruto, empírico ao extremo, tenta converter o que ele sabe em ensinamentos, mas só acaba falando groselha. SÓ QUE KONOHAMARU ACREDITA EM TUDO. É como eu havia dito antes, Naruto finalmente recebe crédito e não de qualquer pessoa, mas de uma pessoa privilegiada cuja atenção é alvo de constantes disputas. Konohamaru, por sua vez, é subjugado pelo lixo da aldeia da folha. Mas a gente vai além, porque a situação se inverte: se pararmos para pensar, Naruto já tem a atenção de todos e eles, que tanto bajulam Konohamaru, na verdade não o enxergam. Então existe uma face deles que as pessoas escolhem sombrear ou potencializar.

O que é contraditório no sonho de Konohamaru - e desviante do que, aparentemente é o de Naruto - é que, no fundo, ele conserva um instinto de preservação da mesma hierarquia que os oprime. Conservador, ele aparentemente não tem interesse em resolver a bajulação pública a uns em detrimento de outros, mas apenas em redirecioná-la para ele.

Contudo, esse encontro com Konohamaru - e se ver respeitado pela primeira vez [ou segunda, se Iruka conta] - reajusta os objetivos de Naruto, que passa de continuar recebendo o tipo de atenção depreciativa que sempre recebeu para lutar por mais respeito. E, mais uma vez, a situação de mestre e aprendiz se inverte.


E é essa inversão o que Ebisu mais temia - pois, uma vez que acaba a deferência para com ele, ele perde a sua razão de ser. Mas, ao aparecer para "deter" Naruto e tentar reaver a tutela de Konohamaru, novamente, projetando nele a sombra do avô. O que, na minha opinião, é extremamente digno de nota nesse encontro é o papel do Jutsu Sexy - nesses 2 primeiros capítulos, ele desmoraliza 3 "autoridades". O jutsu é a verdadeira brecha no monstro que é feito deles ou eles fazem de si próprios, é como se ele expusesse o que escondem os corações moralistas. Aliás, moralistas são, via de regra, uns hipócritas.

Focando no Hokage, é importante, desde já, avaliá-lo, também, pelos seus tiros pela culatra. Por exemplo, ele manteve Naruto sofrendo na vila como a sombra da Kyuubi, sem ao menos estar ciente disso. Realmente existia um dilema em cima dessa verdade e quando o hospedeiro estaria pronto para ouvi-la, mas ele não foi poupado das consequências, por exemplo. Eu digo que é importante porque não é a primeira vez que a sua conduta "correta" traz custos altos para outras pessoas.

No fim do capítulo, Konohamaru, ainda que indiretamente, conseguiu desmistificar o Hokage, tirando-o da sombra e convertendo-o num reflexo positivo. Por causa dele, Hiruzen [esse é o nome dele] se expôs como um velho babão. Tem uma certa sugestão de que ele discorda da conduta de Ebisu e as regrinhas do tutor são subordinadas do Hokage, não superiores.

Ultimas considerações:

1) Se antes os meninos ficavam na sombra do Hokage, agora ele é que é um coadjuvante para a narrativa deles. Eles se emanciparam.

2) Não há atalhos no caminho ninja. E, apesar de ser uma fala de Naruto, esse é um tapa que ambos recebem. Não à toa, ambos só vislumbram uma realização dos sonhos expostos nesse capítulo na saga de Pain - cerca de 400 capítulos mais tarde.

3) Vejam que ironia. Apesar de almejar tanto o reconhecimento, Konohamaru acaba se tornando um apêndice, na história de Naruto.

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