Dojo Escriba
A minha intuição é muito boa, sabia? Mas eu ainda não aprendi a escutá-la.
Eu tenho 2 problemas: 1) eu ajo muito no automático e difícilmente paro pra pensar e levar os meus pensamentos a sério; 2) eu não treinava o meu automático, pra que ele ficasse bom o suficiente pra resolver isso.
Hoje ela falou de novo. Tinha um compromisso marcado; era um debate de contos do Poe que aconteceria às 6. Eu já havia lido alguns dos contos, mas tinha uma novela, a qual era o foco principal, que eu nunca lera. Deu cinco e pouca, comecei a ler (atrasadíssimo), li um pouco, atrasei mais, tomei banho, pesquisei um resumo no YouTube, demorei mais.
Eu deixei uma saída pra comer um sanduíche com a minha prima, sendo que eu pensei em simplesmente desmarcar o debate e ir comer o bendito sanduíche com ela. A intuição falou.
Mas tava lá no banho - o celular no YouTube, passando um vídeo do resumo da novela (a carta roubada). Atrasei mais.
Saí do banho, li mais um resumo no Wikipedia. Atrasei. Depois vesti a minha roupa, desci, botei o vídeo de novo pra ir escutando. Fui no caminho pensando em como a gente mente por essas ocasiões sociais, era a primeira vez que eu não tinha lido o texto, eu poderia simplesmente falar isso, desmarcar e perguntar se o sanduíche ainda tava de pé. Eu poderia recomendar uma pessoa pra falar junto, Manuela, Tiago, alguém já tinha lido e poderia falar com a propriedade que eu não tinha, mas o compromisso era meu. Cheguei.
Não tinha ninguém além da gente mesmo que tava lá pra apresentar. O pessoal comentou meu puta atraso, estavam envolvidos numa conversa ótima, para a qual não se precisava de texto lido em casa e que prosseguiu bem mas acabou logo. Saímos.
Perguntei pelo sanduíche e a minha prima respondeu "Já comi". Pensei "poutz, passou a oportunidade".
Não precisava de texto lido, não precisava nem ter ido e a minha intuição tava lá.

Eu fiz o que o meu compromisso mandava, botei meus fones e voltei distraído pra casa.
Dois bons momentos perdidos.


E por um negócio que eu sequer li.
Olha essa capa do 4º capítulo - recriada mais de uma década depois, no volume 64. Sapo, cobra e lesma. Hoje é tão óbvio, mas na época, à exceção de quem já conhecia "O conto do galante Jiraiya", é um detalhe que deve ter passado batido para muitos. Claro que a gente, ocidental/cristão sabe muito bem o que uma cobra significa, mas da forma como é apresentada, não me soa como uma dica para a gente. Passando para o enredo, em si - a saber, estarei trabalhando com toda a graduação ninja no time Kakashi -, acho que a maior contribuição desses capítulos foi mesmo fincar os papeis dos três protagonistas: O herói, o vilão e a vítima.

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Assim, como nos dois capítulos anteriores, o terceiro continua o trabalho de localizar Naruto como alguém que "supera" a média por baixo: um ninja nº 1 ao contrário. Há pouco a acrescentar sobre ele, exceto os seus primeiros defeitos: Ele sente despeito em relação a Sasuke - e isso é uma característica interessante a ser observada nele - e ele é fútil em relação a Sakura - mas isso explicaremos melhor quando formos falar dela.

Sasuke é perfeito - não caga não peida. Último herdeiro vivo de um clã de elite da vila; ninja do melhor desempenho e melhores notas; bonito; popular [contra a própria vontade]; a mera existência dele, pelas comparações constantes, derrubam Naruto. No capítulo três, é nítido que Naruto queria muito ser ele e estar no pedestal que ele foi colocado - mal ele sabia do desconforto de Sasuke com aquela posição [a gente que já leu tudo sabe]. Já nos capítulos do teste com Kakashi, ele impressiona pela sua desenvoltura, mas decepciona pela arrogância - a partir disso, começam as suas características negativas, encabeçadas pelo seu sonho: destruir uma pessoa. Parece banal, mas é uma ambição um tanto pesada para uma criança de 12 anos. Além de tudo, Sasuke subverte o conceito de sonho, uma vez que, como ele próprio chega a falar, possui um que reside não no futuro, mas no passado. E é no seu passado que mora uma desgraça maior do que o que ele próprio tinha conhecimento.

Vamos combinar uma coisa: a Sakura do início foi feita pra você não gostar dela. O seu ponto de partida é a mediocridade e nada atesta a seu favor. É dito que ela é inteligente, mas essa inteligencia pouco aparece; também se fala que ela é do tipo genjutsu, mas é exatamente nele que ela cai, no teste de Kakashi; por fim, ela sintetiza todo o desprezo da vila em relação a Naruto e, por sua vez, toda a bajulação em relação a Sasuke. A impressão que passa é a de que ela simboliza o papel da norma em relação aos outros dois protagonistas, então Sasuke superar a média e Naruto ser subjugado por ela são os fatores que melhor explicam a relação que Sakura desenvolve com eles. A relação que eles desenvolvem com ela reforça a ideia: Sasuke despreza Sakura na mesma medida em que despreza as regras e a média, enquanto Naruto é desesperado pela sua atenção. Conforme a história progride, vemos tanto Sakura se destacando um pouco dessa mediocridade e agindo por conta própria, inclusive repensando o valor que ela dava a Naruto, como também a mediocridade da opinião pública sobre o seu colega acompanhando a sua. Ou seja, ela também inverte um jogo.

Naruto gosta de Sakura que gosta de Sasuke que... por enquanto nada. Mas, sim, temos um triângulo. Naruto e Sakura são, respectivamente, corpo e mente, elementos sintetizados em Sasuke, que demonstra um desempenho extremamente equilibrado; Naruto e Sasuke são o pior e o melhor, Naruto é associado a tudo o que há de negativo, sendo a sombra da Kyuubi que é a sombra da vila, e Sasuke recebe toda a carga positiva, sendo o sobrevivente do grande Clã Uchiha e Sakura é o que sustenta ambos: a opinião pública; de alguma forma, Sakura deseja superar a mediocridade, subir, avançando na direção de Sasuke, Sasuke deseja se afastar da mediocridade, também subindo - mas ambos estão fadados à norma, são o famigerado "padrãozinho" - e Naruto carrega um desprezo explícito por essa mediocridade, considerando o vandalismo e o desrespeito às autoridades, porém, deseja alcançar algo dela, por estar por baixo, ou seja, Naruto traz uma síntese de Sakura e Sasuke, mas, aparentemente, é uma síntese negativa: ele é a contradição da norma. Vejam como isso refaz a relação de Naruto e Sasuke: a exceção e o excepcional: conotações diferentes que partem da mesma raíz.

Iruka e o Hokage puseram esses três ninjas juntos para criar a equipe equilibrada, mas esse "equilíbrio" se esfacela no primeiro teste, visto que Kakashi carrega apenas 2 guizos, sendo que a aprovação implica conseguir roubar um deles. Sakura, a norma, questiona a incompatibilidade entre a equipe e a aprovação; Sasuke, o gênio, resolve pegar o seu primeiro, sozinho; Naruto, o gênio ao contrário, também; vemos mais um triângulo de 2 contra um: Naruto e Sasuke a iniciativa e Sakura a cautela. Sakura se preocupa com Sasuke e vai atrás dele; Naruto vira a terceira ponta do triângulo: a exclusão. E aqui se começa a formar o triângulo do título do texto, tem sempre alguém contra um e a favor do outro, o triângulo definitivo que une o time Kakashi: "Herói, Vilão e Vítima".

Tentando bancar a heroína e salvar Sasuke, Sakura é derrotada por Kakashi e passa a ser vítima; Sasuke, a vítima hipotética, tenta conseguir a sua aprovação a despeito dos outros dois, se tornando um vilão - inclusive rotulado por Kakashi como arrogante; Naruto, que, por ser considerado uma ameaça à aprovação do grupo, foi vilanizado, também tenta se garantir sozinho e acaba amarrado a um poste e proibido de comer. Contudo, graças à proibição, Sakura e Sasuke, que eram a norma e o seu excepcional, quebram a regra e alimentam Naruto. Sendo o objetivo real do teste não a aquisição dos guizos e sim o trabalho de equipe, alimentar Naruto garantiu a aprovação de todos, convertendo-o assim num herói. E, se vocês que já leram tudo repararem, esse movimento entre papéis é a maior síntese de todo o enredo de "Naruto".

Com isso, lhes faço algumas perguntas: o "padrãozinho" é estar dentro da média ou acima da média [e mesmo assim ser "medido" pela "média"]? Quanta personalidade você tem por estar no topo, se você é medido pela média? Você que está abaixo, ou de fora, não seria também excepcional?

Tentarei trazer texto novo todo sábado, a partir de agora. Desculpem o sumiço.
Eu sempre achei esses segundos capítulo/episódio um tanto avulsos. Não que eles não tenham importância no enredo, mas é que não tem no capítulo seguinte algo que puxe desse, sabe? Acho que ele simplesmente existe para cumprir duas funções: contrapesar o capítulo primeiro e enriquecer a construção do personagem principal.


Talvez seja seguro afirmar que o ponto forte de Naruto (série) são as suas contradições e dualidades. Vejamos o primeiro capítulo: Nele tivemos 3 personagens em destaque, mas eles se relacionaram majoritariamente em duo. Naruto e Iruka contrastaram as regras e a subversão das mesmas; já Mizuki trouxe para a dupla a subversão das regras na aplicação das mesmas, ou melhor, das suas brechas [para quem não entendeu, eu tô falando de manipulação e corrupção]; já os dois professores, entre si, contrastaram os interesses das autoridades: aqueles que utilizam do poder neles investido para ajudar os iniciantes e aqueles que utilizam o mesmo unicamente para defender seus próprios interesses. Em um plano maior - capítulo 1 vs. capítulo 2 -, o contraste passa a ser Naruto como aprendiz e Naruto como mestre.

A apresentação dos dois personagens atesta contra eles e favorece o seu contrário - a opinião pública. Tanto Naruto, quanto Konohamaru, iniciam o capítulo como baixos, infantis e indignos de qualquer respeito, o que é contraditório, visto que ambos, cada um no seu próprio capítulo, lutam por respeito e reconhecimento a todo custo. Mas, aparentemente, tudo o que eles fazem traz o efeito oposto.

A dualidade contida apenas nesse capítulo reside no peso do reconhecimento nas costas de cada um. Um é subestimado e o outro superprotegido, mas ambos fazem questão de mudar esse quadro, vide o esforço de Naruto em aparecer a qualquer custo em contraste com o esforço de Konohamaru em não ser visto. Entre eles - é comum que fique alguém no meio, formando uma tríade - está o terceiro Hokage. E ver Naruto o questionando e, portanto, desrespeitando a hierarquia que torna o ninja extraordinário para Konohamaru. Mas Naruto vai além, ao ser insultado por Konohamaru, ele o agride sem pensar duas vezes, ignorando, inclusive, o aviso de Ebisu de que ele era o neto do Hokage - informação que sempre é suficiente para converter qualquer atenção em bajulação. Eis um encontro inusitado: alguém que sempre foi exaltado, de repente, é subjugado por alguém que sempre foi depreciado. E vice-versa.

Como as regras sempre dão um jeito de reaparecer, lá está Ebisu - o tutor de Konohamaru. Ebisu se acha o máximo pelas suas titulações e, com isso, acredita ser o melhor mestre possível para o neto do Hokage. Diante daquela situação, ele passa a tentar proteger Konohamaru de Naruto a todo custo. Sem sucesso, ressaltamos.

Konohamaru persegue Naruto e o intima a ser o seu mestre. Naruto, empírico ao extremo, tenta converter o que ele sabe em ensinamentos, mas só acaba falando groselha. SÓ QUE KONOHAMARU ACREDITA EM TUDO. É como eu havia dito antes, Naruto finalmente recebe crédito e não de qualquer pessoa, mas de uma pessoa privilegiada cuja atenção é alvo de constantes disputas. Konohamaru, por sua vez, é subjugado pelo lixo da aldeia da folha. Mas a gente vai além, porque a situação se inverte: se pararmos para pensar, Naruto já tem a atenção de todos e eles, que tanto bajulam Konohamaru, na verdade não o enxergam. Então existe uma face deles que as pessoas escolhem sombrear ou potencializar.

O que é contraditório no sonho de Konohamaru - e desviante do que, aparentemente é o de Naruto - é que, no fundo, ele conserva um instinto de preservação da mesma hierarquia que os oprime. Conservador, ele aparentemente não tem interesse em resolver a bajulação pública a uns em detrimento de outros, mas apenas em redirecioná-la para ele.

Contudo, esse encontro com Konohamaru - e se ver respeitado pela primeira vez [ou segunda, se Iruka conta] - reajusta os objetivos de Naruto, que passa de continuar recebendo o tipo de atenção depreciativa que sempre recebeu para lutar por mais respeito. E, mais uma vez, a situação de mestre e aprendiz se inverte.


E é essa inversão o que Ebisu mais temia - pois, uma vez que acaba a deferência para com ele, ele perde a sua razão de ser. Mas, ao aparecer para "deter" Naruto e tentar reaver a tutela de Konohamaru, novamente, projetando nele a sombra do avô. O que, na minha opinião, é extremamente digno de nota nesse encontro é o papel do Jutsu Sexy - nesses 2 primeiros capítulos, ele desmoraliza 3 "autoridades". O jutsu é a verdadeira brecha no monstro que é feito deles ou eles fazem de si próprios, é como se ele expusesse o que escondem os corações moralistas. Aliás, moralistas são, via de regra, uns hipócritas.

Focando no Hokage, é importante, desde já, avaliá-lo, também, pelos seus tiros pela culatra. Por exemplo, ele manteve Naruto sofrendo na vila como a sombra da Kyuubi, sem ao menos estar ciente disso. Realmente existia um dilema em cima dessa verdade e quando o hospedeiro estaria pronto para ouvi-la, mas ele não foi poupado das consequências, por exemplo. Eu digo que é importante porque não é a primeira vez que a sua conduta "correta" traz custos altos para outras pessoas.

No fim do capítulo, Konohamaru, ainda que indiretamente, conseguiu desmistificar o Hokage, tirando-o da sombra e convertendo-o num reflexo positivo. Por causa dele, Hiruzen [esse é o nome dele] se expôs como um velho babão. Tem uma certa sugestão de que ele discorda da conduta de Ebisu e as regrinhas do tutor são subordinadas do Hokage, não superiores.

Ultimas considerações:

1) Se antes os meninos ficavam na sombra do Hokage, agora ele é que é um coadjuvante para a narrativa deles. Eles se emanciparam.

2) Não há atalhos no caminho ninja. E, apesar de ser uma fala de Naruto, esse é um tapa que ambos recebem. Não à toa, ambos só vislumbram uma realização dos sonhos expostos nesse capítulo na saga de Pain - cerca de 400 capítulos mais tarde.

3) Vejam que ironia. Apesar de almejar tanto o reconhecimento, Konohamaru acaba se tornando um apêndice, na história de Naruto.
O começo não é nada fácil.

OK, os primeiros momentos são muito bons: os sonhos, as expectativas, as ideias... Tem muita coisa pela frente e a gente quase sempre começa uma coisa extremamente empolgado. Mas aí a fantasia acaba e os sonhos precisam se converter em planejamentos, as expectativas em concretude, as ideias em atitudes - ou, no nosso caso, textos.


Não é fácil. Escrever não é fácil. Saber o que para quem você escreve, muito menos.

Penso: "Esse tema deveria atrair tal público, mas a escrita aparentemente não combina com ele. acho que é um tema muito infantil para uma abordagem muito adulta"; ou "Será que não viajei bastante nisso?"; "Será que não fui muito ácido?"; "Eu devo agradar ou incomodar o meu público? Se eu faço o primeiro, vou acabar fingindo e me perdendo nas expectativas deles - isso acaba com a criatividade. Se incomodo, posso não ter público - escrever para ninguém é burrice".

Contudo, "escrever para ninguém" é talvez justamente a provação inicial. A gente não tem leitores fieis ainda. Se tivermos, dentro de nós mesmos, escritores fiéis, já é um grande progresso - quantas pessoas não começam diariamente diversas coisas e se desmotivam por falta de feedback? 

Mas aí aparecem as primeiras visitas. A primeira dezena dá muito gosto de ver. I mean, "tem 10 pessoinhas aqui perdidas que podem estar se encontrando no que eu escrevo - mas, espera, agora eu tenho uma responsabilidade com elas (?)". Depois, vem a ambição: "agora eu quero 100". Só que, para que ela se concretize, mais tarefas são requeridas. Agora você precisa divulgar; tem que achar site relevante; tem que ter rede social; tem que ficar de olho nas tendências para escrever sobre elas - "mas será que eu realmente quero escrever sobre isso?"; tem que ter um bom conteúdo já armazenado para poder começar a divulgar - "30 postagens serve"; tem que mendigar divulgação; receber vácuos; respostas negativas; respostas positivas seguidas de vácuos; ouvir elogios de pessoas que não leram de fato; ter leitores que vão simplesmente omitir o seu texto porque, de alguma forma, elas querem tomar posse dele só para elas - "mas eu queria espalhar mais a mensagem, só que eu também preciso desse leitor"; tem que se questionar se o que você escreve é realmente relevante. Isso porque você ainda nem sabe direito o que escreve e para quem.

Você também vai precisar administrar. Administrar as visitas, colher dados das pesquisas; consultar fontes; administrar seus horários. Você agora tem responsabilidades.

Você também nada contra uma corrente gigantesca de pessoas que vão simplesmente te desestimular de graça. Ou pior, vão se fazer de "só tô querendo ajudar" para minar a tua segurança quanto ao que você escreve.

Olha, é tanta coisa que só mesmo a possibilidade de converter tudo isso num texto pro próprio site que salva a gente.

Acho que volto a escrever sobre Naruto amanhã. Não sei.
Escrevo este texto comemorando os 10 anos de quando eu vi o primeiro episódio de Naruto, para o qual voltamos a escrever. Mas voltamos meeeesmo... pro início...
Antes de mais nada, eu gostaria de avisar que, assim como os nossos 4 últimos textos, ideias de fundo trabalhadas em ambos os textos do Pain serão pinceladas em outros textos sobre Naruto - como esse, por exemplo. Provavelmente, porque essas ideias são realmente base da série. Para citar um exemplo, tratamos do controle e aqui estamos, retomando o exato início. E lá estava ele...


O aspirante a Ninja realmente não tinha boas credenciais; era um vândalo, cínico, inábil em qualquer jutsu que tentava e forçava situações que chamavam atenção negativa pra ele. Do outro lado, estavam seus colegas extremamente ultrajados com a sua presença na classe e professores insatisfeitos com seu comportamento errático e o seu desprezo pelas regras e pelo controle. Enfim, era um plot clichê.

Em caráter de curiosidade, é muito interessante que, no anime, tenha havido o acréscimo da cena em que Hinata torce por Naruto e outra em que os figurantes do mangá que o depreciam e repreendem são substituídos por Shikamaru e Ino, pois isto serve de base para a posterior relação de reforço ou ruptura das impressões que os três tinham sobre o ninja.

Nos três primeiros capítulos, Naruto polariza com um personagem em cada: Iruka, seu primeiro professor, era extremamente intolerante a ele e também controlador - em contraste com ele, Naruto era visto como errático e indisciplinado; Konohamaru, por ser neto do Hokage (vejam que ironia) era o bajulado da vila, enquanto Naruto amargava o desprezo das mesmas pessoas - quando comparados, por mais parecido que fosse o seu comportamento, o neto do Hokage sempre levava a melhor, na opinião pública; Sasuke, ninja número 1, rende a Naruto, pelas opiniões, tanto de Kakashi, quanto de Iruka, o título de ninja número 1 ao contrário - fica também com toda a popularidade e é extremamente bajulado.

No primeiro capítulo, Naruto tem um desafio final: ser aprovado como ninja Genin e, para isso, ele precisa aprender a fazer um jutsu de clonagem. Para atingir esse objetivo, ele é "orientado" por Mizuki, um professor mais amigável, a roubar um pergaminho do Hokage para aprender um jutsu de clonagem mais efetivo e poderoso: o cobrado na academia criava uma ilusão de clonagem, o do Hokage criava realmente um clone físico que poderia, inclusive lutar, mas Naruto queria fazer vários clones. E conseguiu.



Mas, para além do seu sucesso com o jutsu de clonagem, Naruto aprendeu algumas coisas sobre as pessoas e sobre si próprio: 1) ele era o hospedeiro da Raposa de Nove Caudas, a Kyuubi - o monstro que destruiu a vila no dia do seu nascimento; 2) eram os tipos de autoridades com as quais ele lidou, neste capítulo; 3) o professor que posou de bonzinho e apresentou uma fala bajuladora, mansa, só desejava vantagens para si próprio - "eu falei algo que te agradou, agora faça isso"; 4) a pessoa que desejava dele o seu crescimento e amadurecimento o criticou no que ele realmente havia errado e, graças a isso, ele evoluiu; 5) Naruto estudou e aprendeu sozinho o jutsu de clonagem e não há nada a ser creditado a nenhum outro indivíduo; 6) o professor que desejava vantagens para si próprio tentou manipular o ódio de Naruto contra quem desejava dele o seu crescimento - e assim percebemos que é bom ter cuidado com o poder conferido a algumas autoridades, porque essas figuras podem ser irresponsáveis e levianas - figuras facilmente atribuíveis a um jovem de 12 anos que apresenta um mal comportamento, só que vindas de uma pessoa adulta, autorizada a pensar e decidir certas coisas; 7) a verdade e a razão não precisam ser insistidas e empurradas à força - em ambos os casos se repete uma situação em que a liberdade de quem ouve pensar por conta própria foi atacada e, desde já, o ideal de "fuja do controle", sobre o qual série se fincou por 700 capítulos, foi anunciado; 8) na prática, Naruto fortaleceu a própria liberdade ao interromper o ciclo de ódio que Mizuki queria propagar; 9) desde o primeiro capítulo, ele já era melhor que os seus dois professores.

Iruka, simbolicamente, entrega a própria bandana a Naruto e isso talvez signifique que, como eu apontei no #9, o novo ninja era realmente mais digno de usá-la do que ele próprio. Mas o capítulo acaba com ele ainda achando que tinha mais coisas a ensinar a Naruto do que aprender com ele, como ele voltará a fazer [e se frustrar] nas próximas oportunidades.

Tem gente que realmente não aprende.
As vezes o controle pode ser também uma ferramenta de alguém que teme a solidão, sabe? 

Uma outra amiga minha, numa tentativa realmente nobre de defender narcisistas manipuladores, proferiu a seguinte frase: 
As pessoas têm coisas ruins no kokoro [coração].

Recapitulando: o Alphabet Boy, ou O julgador, é um especialista em regras, mas um desaparecido em atitudes, certo? O que podemos inferir disso: tem um certo descomprometimento consigo mesmo nisso. Digo, por mais que ele faça algo para melhorar e evoluir, todos esses esforços são direcionados às regras. Sem ter algo de verdade pelo que se esforçar, se volta para [ou contra] outras pessoas.

Do outro lado: O autocrítico é bastante talentoso e age com frequência, mas, por algum motivo, não possui um bom juízo, não é? Ele, portanto, se deixa levar por alguém que se dispõe a tomar decisões por ele.

Então temos algo em comum entre os dois - uma espécie de metade da laranja, ou algo do tipo.

À parte da sociopatia ou psicopatia, boa parte dos julgadores não são maus - são covardes, no máximo. Eu digo covardes, pois se ater as regras e se conformar em repetir o que já foi testado é uma forma de se manter sempre dentro do esperado e não enfrentar o julgamento. Os autocríticos, por sua vez, também não são vítimas indefesas, muito menos "bonzinhos" - são, talvez em beem menor grau, covardes também. Eles também esperam usufruir do correto e o farão eternamente, temendo o julgamento dos julgadores - viram reféns desse medo de pensar por si próprios.

No fundo, eu vejo, em ambos, um pedido de socorro. Ambos tem uma questão mal resolvida. E ambos encontraram um no outro uma forma de resolver essa questão. O problema de ambos talvez seja o medir a própria força. Já pararam para pensar em como essas coisas ruins comprometem a habilidade de algumas pessoas cativarem outras e que as habilidades absorvidas dos outros, nas mãos delas, só conseguem produzir um cativeiro?


O caso de Gaara pode ser mais aprofundado e discutido em outra oportunidade, mas o seu exemplo é um tanto claro: o aperto e a pressão sempre foram abraços mal dados. Voltemos pro julgado[r].

Se o autocrítico não tem juízo e o julgador não tem autocrítica, é um tanto possível que o julgador, desprovido de autocrítica, veja como reforço positivo o comportamento de conformidade da autocrítica. Em outras palavras, ele é um covarde e um conformado, enquanto o autocrítico tem uma certa autonomia ao agir; então fazê-lo se sujeitar é um reforço à covardia do julgador - ele se sente mais certo em seu conformismo e, de quebra, anula a possibilidade de a diferença positiva do autocrítico o incomode. O autocrítico, por sua vez, pode também querer se ver na razão, por meio da aprovação do julgador - que sempre está a condenar a todos. Se a gente for parar pra pensar, não é muito diferente do que aconteceu aqui há mais ou menos 500 anos, em que nossos nativos trocaram seu ouro por espelhos e seus costumes por uma religião fundamentalista - uma forma de tentar se enxergar pelas ferramentas do outro. É uma relação predatória para ambos os lados - apesar de eu não estar aqui pretendendo, nem por um segundo, relativizar as responsabilidades e consequências.

Contudo, o autocrítico um dia vai colher também os frutos do bem e do mau que semeou e, talvez nele, descartará o julgador enquanto tal. A partir deste momento, o julgador precisará enfrentar o próprio julgamento e isso torna o seu jogo e as substituições das cobaias meras formas de adiá-lo. Eles se assimilaram, o que quer dizer que o autocrítico aprendeu a julgar por si próprio e o julgador adquiriu autocrítica - com a qual ele certamente não está acostumado.

Uma fábula agora: Maria foi presa na casa da bruxa, certo? E, com isso, foi obrigada a alimentar o irmão para saciar a fome da Bruxa, certo? Voltemos ao início da história, quando eles ainda estavam perdidos diante da casa de doces:

Se o erro de Maria foi grande, ao ser atraída pelos doces da casa e acabar confiando em uma sequestradora e seu cativeiro, qual foi o tamanho do erro da bruxa?

Não foi ela que abriu a porta para a sua própria assassina e a deixou entrar?
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